Durante muitos anos, estudiosos da egiptologia têm discutido intensamente a maneira como as imensas pirâmides do Antigo Egito foram erguidas, há mais de 4 mil anos. Recentemente, uma equipe de engenheiros e geólogos apresentou uma nova proposta — a utilização de um dispositivo hidráulico de elevação que teria permitido flutuar as pesadas pedras pelo interior da pirâmide mais primitiva do Egito, usando água armazenada.
Os antigos egípcios construíram a Pirâmide de Degraus para o faraó Djoser no século 27 a.C., e ela se destacou como a estrutura mais alta da época, alcançando cerca de 62 metros de altura. No entanto, o método exato de construção desse monumento, que envolveu blocos pesando até 300 quilos, continuou sendo um enigma, conforme descrito em um estudo publicado na última segunda-feira na revista PLOS One.
“Muitas publicações abordaram os métodos de construção das pirâmides de forma detalhada e apresentaram elementos tangíveis, mas estes geralmente se concentram em pirâmides mais recentes, que são documentadas de maneira mais abrangente e são menores, datando dos Reinos Médio e Novo (1980 a 1075 a.C.)”, afirmou Xavier Landreau, autor principal da pesquisa e CEO da Paleotechnic, um instituto de pesquisa privado em Paris que investiga tecnologias antigas.
“As técnicas de construção podem incluir rampas, guindastes, cabrestantes, elevadores de alavanca, guinchos, pivôs ou uma combinação dessas abordagens”, acrescentou em um e-mail. “Entretanto, e quanto às pirâmides do Antigo Reino (2675 a 2130 a.C.), que são muito maiores? Enquanto a força humana e as rampas podem ter sido suficientes para estruturas menores, outras técnicas podem ter sido empregados nas grandes pirâmides.”
A nova pesquisa, que utiliza uma abordagem interdisciplinar, é a primeira a relatar um sistema que se alinha com a arquitetura interna da Pirâmide de Degraus, de acordo com os autores do estudo. Um sofisticado sistema de manejo da água, aproveitando recursos locais, teria viabilizado a operação de um elevador movido a água dentro do eixo vertical da pirâmide. A proposta sugere que algum tipo de flutuador poderia ter elevado as pesadas pedras pelo centro da construção.
Apesar de a teoria ser considerada uma “solução engenhosa”, alguns egiptólogos manifestam ceticismo, já que existe uma explicação mais amplamente aceita que defende que os antigos egípcios utilizaram rampas e dispositivos de tração para posicionar os pesados blocos, segundo David Jeffreys, professor sênior aposentado de arqueologia egípcia na University College London, que não esteve envolvido no estudo. A seguir, confira os comentários dos especialistas sobre a nova teoria.
Analisando dados disponíveis, incluindo paleoclimatologia e informações arqueológicas, a equipe de pesquisa indicou que a água de antigos riachos fluía do ocidente do planalto de Saqqara, alimentando um sistema de trincheiras e túneis de água que circundavam a Pirâmide de Degraus. Além disso, a água teria sido direcionada para o Gisr el-Mudir — uma estrutura retangular de calcário que mede 650 por 350 metros — que teria atuado como um reservatório. Este dispositivo, antes considerado uma fortaleza, uma arena de celebração ou um local para gado, controlaria e armazenaria a água das enchentes, além de filtrar sedimentos e sujeira.
O sistema proposto para o tratamento da água não apenas garantiria o controle hídrico durante períodos de inundação, mas também asseguraria a qualidade e a quantidade adequadas de água, tanto para consumo e irrigação quanto para transporte ou construção, conforme afirmou Guillaume Piton, coautor do estudo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa em Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente da França (INRAE).
Os autores ressaltam estudos anteriores que indicam que o deserto do Saara tinha chuvas regulares milhares de anos atrás, muito mais do que atualmente. A região teria se assemelhado a uma savana capaz de sustentar uma vegetação mais densa do que as condições áridas de hoje. Entretanto, ainda existe um debate sobre o período exato em que as condições climáticas eram mais úmidas.
Judith Bunbury, geoarqueóloga da Universidade de Cambridge, mencionou que pode ter havido um volume de água suficiente para suportar um sistema como o elevador hidráulico. Ela destacou pesquisas anteriores que indicaram a construção de calhas para captação de água da chuva no Antigo Reino, além de estudos que avaliaram a dieta das aves da época, que incluía espécies de ambientes úmidos, como rãs.
“Acredito que existe uma crença bastante disseminada de que as chuvas eram mais frequentes durante o Antigo Reino, especialmente em sua fase inicial, quando a Pirâmide de Degraus estava em construção”, acrescentou Bunbury.
No entanto, especialistas discutem a possibilidade de que a quantidade de precipitação tenha sido suficiente para encher as estruturas que sustentariam o elevador hidráulico, como o “Fosso Seco”, uma canalização gigante que circunda a Pirâmide de Degraus, com a crença de que coletava água para alimentar o elevador durante seu funcionamento.
De acordo com Jeffreys, o período mais úmido do Saara teria se encerrado no início do terceiro milênio a.C. A baixa precipitação não seria capaz de encher adequadamente as estruturas que poderiam suportar um elevador hidráulico. Além disso, Fabian Welc, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade Cardinal Stefan Wyszynski em Varsóvia, Polônia, que não participou do novo estudo, observou que a água escassa que eventualmente chegasse até as estruturas provavelmente escoaria rapidamente devido à gravidade, no maciço rochoso que o envolvia.
“Há evidências de um aumento da umidade climática (sazonal — chuvas de inverno) no norte do Egito, também em Saqqara, durante a 3ª Dinastia (2670-2613 a.C.), mas a intensidade dessas chuvas era relativamente baixa. Mesmo que essas chuvas enchessem os wadis (um vale seco, exceto durante as épocas de chuva) com água, não seria suficiente para encher o fosso seco, e essas águas sairiam rapidamente pela gravidade para o maciço rochoso abaixo, salvo em condições extraordinárias (como uma inundação bíblica)”, comentou Welc em um e-mail.
Os autores concordaram que é improvável que o sistema estivesse constantemente cheio de água, sugerindo que enchentes rápidas da época poderiam ter fornecido o volume necessário para o funcionamento do elevador hidráulico durante a construção da pirâmide. Contudo, estudos adicionais são necessários para determinar com precisão a quantidade de chuvas e inundações que ocorreram durante esse período, conforme apontado na pesquisa.
Esta não é a primeira vez que o Nilo é investigado quanto à sua possível contribuição na construção das pirâmides. Um estudo recente encontrou um ramo seco do rio e teorizou que esse curso d’água poderia ter sido utilizado para o transporte de enormes blocos de calcário para as obras de diversas pirâmides. Também há algumas indicações de que os antigos egípcios utilizaram sistemas hidráulicos em uma escala menor, segundo Jeffreys.
Em relação à finalidade do eixo vertical na pirâmide de Djoser, os pesquisadores anteriormente não haviam conseguido definir um propósito claro. Algumas pirâmides posteriores, como a Grande Pirâmide de Gizé, possuem eixos que se presume terem sido utilizados para ventilação, sendo possível que o eixo interno também tenha sido projetado para iluminação ou para aliviar a pressão na câmara abaixo, conforme observou Jeffreys. No entanto, por ser a primeira de seu tipo, a Pirâmide de Degraus é considerada uma estrutura experimental, que provavelmente começou como uma mastaba (um túmulo plano) e foi erguida para cima, tornando incerto o propósito exato de suas características internas.
O eixo interno da Pirâmide de Degraus está conectado a um túnel subterrâneo de 200 metros que se liga a outro eixo vertical fora da pirâmide. O eixo externo pode se conectar a uma seção teórica que transportaria água do Fosso Seco, chamada Trincheira Profunda, mas mais estudos são necessários, afirmaram os autores da pesquisa.
O eixo interno começa diretamente sob a pirâmide, perto do centro, onde uma caixa de granito está com um plugue em sua base. Essa caixa é geralmente acreditada como a câmara funerária do rei Djoser, mas, segundo os autores, pode ter sido construída para abrir e fechar o elevador hidráulico, permitindo que a água preenchesse o eixo quando estivesse em operação.
Quanto à possibilidade de que outras pirâmides tenham sido construídas utilizando esse método, Landreau mencionou que são necessárias mais investigações. “Isso pode conter a chave para desvelar o mistério de como os maiores monólitos, encontrados em pirâmides como as de Khufu ou Khefren, foram erigidos. Esses blocos pesam dezenas de toneladas, o que aparentemente tornaria impossível movê-los apenas com a força humana. Por outro lado, um elevador hidráulico de tamanho moderado pode levantar de 50 a 100 toneladas. Explorar eixos ocultos dentro dessas pirâmides pode ser um caminho promissor para a pesquisa”, concluiu.
Apesar dos mistérios envolvendo as pirâmides e suas características, existe documentação suficiente que aponta que os antigos egípcios utilizaram certas tecnologias, como andaimes e rampas de tijolos de barro, para ajudar na construção de várias estruturas, segundo a geoarqueóloga da Universidade de Cambridge, Bunbury, que afirma não haver documentação ou representações conhecidas de um dispositivo de elevação hidráulico.
“Eu acho que as pirâmides sempre inspiraram as pessoas desde a antiguidade como um projeto monumental de construção”, disse Bunbury. “E é bastante desafiador acreditar que foram erguidas apenas por trabalhadores comuns daquela época, especialmente porque os vemos como algo muito antigo… É fascinante que haja tantas propostas sobre o que poderia ter sido uma inovação tecnológica que foi depois descartada, quando sabemos que eles tinham soluções técnicas de qualquer maneira.”
“Isso não implica que o dispositivo hidráulico não tenha sido utilizado,” acrescentou. “Mas existe uma espécie de navalha de Occam que sugere que devemos nos basear no que já sabemos para considerar a explicação mais simples.”