As rosas, além de serem um ícone de amor e romantismo, possuem uma característica curiosa: seus caules são dotados de espinhos que agem como uma defesa contra animais que tentam se alimentar de seus botões.
No entanto, elas não são as únicas plantas que utilizam esse tipo de mecanismo protetor. Espécies como a Bougainville, popularmente chamada de primavera, e a coroa-de-cristo, frequentemente usada para delimitar cercas, assim como arbustos floridos que produzem framboesas e amoras, também apresentam a mesma proteção com suas pontas afiadas.
Mas o que há em comum entre essas espécies, que evoluíram separadamente ao longo de milhões de anos, que as leva a desenvolver características espinhosas? Um grupo de pesquisadores internacionais descobriu que a resposta reside em sua composição genética, rastreando a origem a uma antiga família de genes que é responsável pelos espinhos em todas essas espécies, conforme um novo estudo publicado recentemente na revista Retrogamer Brasil.
Essas descobertas não só abrem novas possibilidades para cientistas que buscam criar variedades sem espinhos dessas plantas, mas também oferecem uma visão mais profunda sobre a história evolutiva de um grupo de plantas altamente diversificado, afirmam os especialistas.
A evolução dos “acúleos”
Diferentemente do que a cultura popular sugere, as rosas não apresentam espinhos propriamente ditos; as partes afiadas são, na verdade, acúleos. Esses são formados a partir da epiderme da planta, numa dinâmica semelhante ao crescimento de cabelo.
Os acúleos fazem parte do reino vegetal há pelo menos 400 milhões de anos, tendo surgido inicialmente em samambaias e seus parentes. Desde então, essa característica apareceu e desapareceu em diferentes períodos da evolução, como explicou Zachary Lippman, um dos coautores do estudo e biólogo vegetal no Cold Spring Harbor Laboratory em Nova Iorque.
Um grupo de plantas chamado Solanum, que inclui culturas como batatas, tomates e berinjelas, desenvolveu acúleos pela primeira vez há 6 milhões de anos. Com mais de 1.000 espécies em todo o mundo, cerca de 400 delas possuem acúleos, segundo pesquisas da Universidade de Utah.
Quando uma característica comum, como os acúleos, surge de forma independente em diferentes linhagens e espécies, chama-se evolução convergente. Esse fenômeno ocorre quando as espécies se ajustam de maneira semelhante para atender a determinadas exigências do ambiente.
Um exemplo disso são as asas, que evoluíram de maneira similar entre várias espécies de aves e também em outros animais, como morcegos e até certos esquilos que possuem estruturas semelhantes a asas, comentou Lippman.
Os espinhos e acúleos são adaptações evolutivas que surgiram para proteger as plantas de herbívoros, além de auxiliarem no crescimento, competição e retenção de água, conforme o estudo.
Sempre foi um mistério o que levava samambaias e outras plantas não relacionadas a desenvolverem acúleos. Agora, os pesquisadores identificaram que uma antiga família de genes, conhecida como Lonely Guy (Cara Solitário), desempenhou um papel fundamental, fazendo com que essa característica surgisse e desaparecesse em várias espécies ao longo do tempo.
Genes ligados aos espinhos
Através da remoção de acúleos de diversas plantas, como rosas e berinjelas, os pesquisadores descobriram que um gene LOG era responsável por essa característica em aproximadamente 20 das plantas analisadas. Genes relacionados ao LOG estão presentes em todas as plantas, incluindo musgos, considerados os primeiros vegetais da terra firme, segundo Lippman.
Esses genes atuam ativando um hormônio chamado citocinina, essencial para funções celulares básicas, como divisão e expansão celular, influenciando o crescimento da planta de maneira significativa.
“Não se trata de um ancestral comum que possuía acúleos e que eles se espalharam pela evolução, sendo posteriormente perdidos. Na verdade, a evidência sugere que acúleos surgem com facilidade em diversas linhagens”, comentou Lippman. “Agora, a questão é: com que frequência a evolução convergente se aplica, não apenas à característica observada, mas aos genes que estão por trás dela?”
Ele acrescentou: “Acredito que nosso estudo seja um dos primeiros a demonstrar o potencial das ferramentas de sequenciamento genético e genômico para estudar uma ampla distância evolutiva e abordar essa questão clássica da evolução em plantas e animais.”
A descoberta apresenta-se como uma ferramenta de grande valor para pesquisadores que desejam entender quão eficazes os acúleos são na proteção contra herbívoros. Avaliar esse nível de defesa tem sido uma tarefa desafiadora, uma vez que a remoção manual do espinho em plantas cultivadas pode comprometer sua saúde, explicou Tyler Coverdale, professor assistente de ciências biológicas na Universidade de Notre Dame, que não participou do estudo.
“Os acúleos são um desenvolvimento evolutivo crucial que permite que as plantas resisam à herbivoria, explicando por que muitas espécies do gênero Solanum se encontram em regiões historicamente ricas em grandes herbívoros. Sem essa adaptação, o gênero poderá ter apresentado um alcance e diversidade muito restritos”, completou.
Genética e remoção dos acúleos
Antes dessa revelação, uma abordagem utilizada para eliminar acúleos nas plantas consistia em cruzá-las com variações que naturalmente não apresentavam essa característica, revelou Lippman, o que explica a existência de algumas espécies de rosas sem acúleos atualmente.
Contudo, agora que o gene responsável pelos acúleos foi identificado, os cientistas têm a possibilidade de removê-los através de técnicas de edição de genoma, como o CRISPR, que modifica o DNA de organismos vivos.
A edição genética seletiva pode produzir mais variações de forma eficiente e tem impactos reduzidos no crescimento da planta e na produção de frutos, conforme destacou Coverdale.
“Este estudo não só nos traz mais informações sobre a evolução dos acúleos, mas também nos oferece insights sobre como aprimorar o desenvolvimento de plantas para a agricultura”, disse Vivian Irish, bióloga de plantas e professora na Universidade de Yale. Irish não fez parte da pesquisa, mas foi coautora de um estudo de 2020 que revelou que espinhos se desenvolvem em plantas devido à atividade de células-tronco.
“Os genes LOG têm sido reutilizados em diferentes espécies para a formação de acúleos e também perdidos em linhagens onde essa característica não se faz mais presente”, afirmou.
“A reutilização em níveis variados pode ser uma regra na natureza, e essa inovação frequentemente reflete a adaptação de genes antigos de maneiras novas”, disse ela em resposta a um e-mail.
No contexto agrícola, a eliminação dos espinhos pode simplificar a colheita e viabilizar a comercialização de produtos menos conhecidos.
Um exemplo mencionado pelos autores são as passas do deserto, que crescem em arbustos espinhosos nativos da Austrália. Com a remoção dos espinhos, ficariam mais fáceis de cultivar e se tornariam similares a frutas mais comuns, como mirtilos e morangos, afirmou Lippman.
“É sobre obter mais conhecimento… e entender o quão fundamentais foram essas mutações para proporcionar os alimentos que consumimos em grande escala, além de reconhecer que há um potencial ainda a ser explorado”, disse Lippman. “Quanto mais compreendemos os detalhes, mais chance teremos de otimizar esse sistema, ou motor, para funcionar ainda melhor.”