Quando Dragon’s Lair foi lançado originalmente nas arcades em 1983, tornou-se um dos títulos mais visualmente impressionantes e tecnologicamente avançados disponíveis. Utilizando a mais recente tecnologia LaserDisc, o jogo foi capaz de transmitir e apresentar uma série de sequências animadas de alta qualidade (criada pelos talentosos animadores da Don Bluth Productions) para contar uma história interativa sobre o valente cavaleiro Dirk the Daring e sua missão de salvar a Princesa Daphne da toca de um dragão maligno chamado Singe.
Para os jogadores que visitavam as arcades no início dos anos 80, era uma experiência totalmente nova e muito superior em comparação com outros jogos, especialmente no que diz respeito aos gráficos e à animação, apresentando personagens totalmente animados em vez de sprites baseados em pixel. Portanto, ao se tratar do processo de adaptação para máquinas menos potentes, isso se mostrou um grande desafio para os desenvolvedores encarregados de converter o jogo. A questão central era: como criar algo que emulasse a mesma experiência em uma plataforma com limitações de memória e gráficos?
Para alguns desenvolvedores, a solução foi simples: aceitar que era impossível e, assim, optar por criar suas próprias aventuras originais que pegavam emprestados personagens e elementos da história do jogo, mas que não tinham muita relação com a jogabilidade da arcade. No entanto, outros decidiram que buscar um port era uma opção válida, com o desejo de provar que uma adaptação era possível em suas máquinas, mesmo que isso significasse abrir mão de parte da fidelidade do original. Isso nos leva ao foco do artigo de hoje — o notável port de Dragon’s Lair para Game Boy Color realizado pela Digital Eclipse em 2001, que conseguiu incluir a maior parte do clássico das arcades em um único cartucho de 4MB.
Como muitos, ficamos surpresos ao descobrir que existia um port funcional de Dragon’s Lair para o console portátil da Nintendo, e desde então a curiosidade nos impulsionou a entender como a Digital Eclipse conseguiu realizar essa tarefa. Recentemente, tivemos a oportunidade de conversar com Mike Mika, presidente da Digital Eclipse e diretor criativo do projeto, e Daniel Filner, programador independente que colaborou no desenvolvimento do jogo, para saber mais sobre como fizeram essa versão surpreendentemente fiel do sucesso arcade.
Conforme Mika relata, a ideia de adaptar Dragon’s Lair para o Game Boy Color surgiu graças ao seu irmão, Jeremy, que havia criado uma ferramenta de compressão que permitiu à empresa incluir vídeo em movimento na versão portátil do filme Tarzan. Impressionados com o resultado, a equipe da Digital Eclipse decidiu que queria ir além na tecnologia para seu próximo jogo, sendo que o CTO da empresa, Jeff Vavasour, sugeriu a tentativa de criar um port de Dragon’s Lair.
Naquele momento, já havia um jogo chamado Dragon’s Lair: The Legend disponível para o Game Boy, desenvolvido pela britânica Elite Systems, que era uma retexturização do seu jogo de plataforma Roller Coaster de 1985, substituindo o personagem principal por Dirk e mudando o cenário para um contexto medieval. Assim, não era considerado um port fiel, o que deixou a brecha para a Digital Eclipse lançar uma versão para Game Boy Color que se aproximasse mais do design original, se decidissem aceitar o desafio.
Para Mika, isso parecia uma ideia perfeita. Ele sempre foi um grande fã de Dragon’s Lair, lembrando-se claramente da primeira vez que viu a máquina em um supercentro em Michigan. “Demorei um pouco para entender que estava de fato olhando para um jogo”, conta. “Naquela época, antes das máquinas conseguirem reproduzir vídeos digitalmente como conhecemos hoje, era pura mágica. Para mim, não sabia se o jogador tinha controle direto ou não. Não importava. Agora pensamos nisso como um grande jogo de eventos rápidos, mas, na época, era de ponta, e mesmo que não fosse tão visceral quanto parecia, ainda era muito divertido.”
Apesar de aceitar o desafio de adaptar Dragon’s Lair, a Digital Eclipse sabia que a conversão para o Game Boy Color não seria uma tarefa fácil. Havia diversas limitações que a equipe precisaria superar ou encontrar soluções criativas. O dispositivo portátil era capaz de exibir apenas 256 tiles (compostos de conjuntos de tiles 8×8 pixels), o que impedia a tela de ser preenchida totalmente com arte única, exigindo a reutilização de tiles sempre que possível.
Além disso, havia restrições sobre a quantidade de cores que podiam ser utilizadas em cada tile, com os sprites e planos de fundo podendo usar até grupos de 4 cores para cada um. Portanto, de forma realista, os desenvolvedores conseguiram exibir apenas 56 cores ao mesmo tempo — 32 para o fundo e 24 para os sprites (a primeira cor de cada paleta de sprite era considerada transparente e não era desenhada na tela).
Essas limitações tornaram a tarefa de recriar a arte e a animação da máquina de arcade quase impossível, sem contar os problemas adicionais relacionados ao armazenamento. Mesmo os cartuchos de ROM mais caros e grandes para Game Boy Color tinham apenas uma capacidade de 8MB, o que significava que a equipe precisaria convencer um editor a financiar um cartucho de maior capacidade, algo que poderia ser complicado.
Não se deixando desanimar por esses desafios, a equipe começou a trabalhar em um protótipo, mostrando Dirk atravessando uma ponte levadiça e evitando um monstro tentacular. O protótipo não tinha som, mas foi suficiente para impressionar Rick Dyer, o criador original de Dragon’s Lair, que permitiu que a Digital Eclipse continuasse o desenvolvimento e conectou o estúdio à editora Capcom, que estava prestes a lançar Dragon’s Lair 3D.
Assim que a Capcom viu o protótipo, demonstrou interesse em publicar o port e até se comprometeu a financiar um cartucho de 4MB, proporcionando mais capacidade de armazenamento para a equipe. “A Capcom logo topou”, lembra Mika. “Mesmo com o jogo sendo num cartucho maior que o normal, estavam animados com isso. Não precisávamos ir atrás de propostas para o jogo, se não me engano. Apresentamos para várias editoras para mostrar o que éramos capazes, mas já havíamos sido contratados nesse ponto.”
Após assinar com a Capcom, a equipe apresentou esse breve protótipo ao público na Classic Gaming Expo em agosto de 1999, gerando entusiasmo e admiração entre os presentes. Era oficial, Dragon’s Lair chegaria ao Game Boy Color, com a expectativa de ser lançado em dezembro do mesmo ano. Nesse momento, Mika e seu irmão Jeremy foram chamados para trabalhar em outros projetos, levando a empresa a contratar Cathryn Mataga como programadora principal do jogo.
Dragon’s Lair para Game Boy Color preserva muitas das mesmas animações de morte, com Dirk sendo esmagado, espancado, envenenado, eletrocutado, entre outras formas no caminho para salvar a Princesa Daphne. Mataga era uma programadora experiente, conhecida principalmente por seu trabalho na criação de jogos para os computadores Atari 8-bit, incluindo o shooter de tela fixa Shamus, que ela também havia portado recentemente para o Game Boy Color em 1999. Sua tarefa era escrever o código do jogo e comprimir os dados para que coubessem no armazenamento disponível.
No que diz respeito à arte, o estúdio escalou praticamente todos os seus artistas para o projeto, a fim de criar os 15 minutos de animação que comporiam o jogo, mas teve um truque nas mangas. Isso veio na forma de uma nova ferramenta para Windows chamada Tile Killer, desenvolvida pelo programador Daniel Filner — um contração independente que já havia trabalhado com a Digital Eclipse em Williams Arcades Greatest Hits para o Sega Mega Drive. O Tile Killer desempenhava várias funções distintas. Permitiria aos usuários carregar bitmaps e editá-los, converter bitmaps em tiles e mapas (um processo chamado “Tile Slicing”), editar conjuntos de tiles e mapas, e examinar os dados. Basicamente, a equipe conseguiu dividir os quadros de animação em pixel art enquanto reduzia simultaneamente o número de cores e tiles usados, daí o nome “Tile Killer”.
É possível notar algumas diferenças sutis entre o design de cenas individuais na versão arcade original e a do Game Boy Color, mas, mesmo assim, o jogo ainda consegue ser extremamente fiel ao original. Filner explica: “O Game Boy Color abriu tantas mais possibilidades, mas essas trouxeram suas limitações a considerar. Digamos que você está tentando fazer o slicing de um tile de arte de desenho animado que não foi criado para o Game Boy. A arte é muito colorida e, portanto, não adere às regras de 4 cores por tile. O Tile Killer faria o seguinte: começaria gerando uma paleta ampla para cada tile, ignorando limitações — quantas cores fossem necessárias — até 64 cores se cada pixel do tile fosse único. Essas paletas amplas entrariam em um banco de paletas, novamente ignorando limitações. Então, talvez você tenha 40 paletas amplas, e essas paletas são todas (digamos) cerca de uma dúzia de cores — você teria 12×40 cores, mas precisa de paletas de 4×8 cores. O Tile Killer precisaria compactar cada paleta ampla em 4 cores.”
“Uma maneira que tentei fazer isso foi medindo uma ‘distância’ entre cada cor e, então, processando como um jogo de cadeiras musicais, onde um a um, as duas cores restantes mais próximas se fundem em uma e assim por diante, até atingir o tamanho alvo da paleta. Agora as paletas amplas foram reduzidas a paletas de 4 cores compatíveis… mas você ainda teria 40 delas. Um processo similar mediria quais duas paletas eram mais próximas entre si, então, você escolheria descartar uma ou combinar em uma ampla paleta de 8 cores e então redimensioná-la para 4. Depois, para cada tile no banco de tiles, considerando as cores originais que ele deveria ter, verificava qual paleta sobrevivia e era a melhor. Cada pixel do tile era associado à cor da paleta que estivesse mais próxima da cor original, e a soma das diferenças em cada pixel indicaria a variação geral de como aquele tile ficaria usando aquela paleta.”
O mesmo processo se repetiria para os próprios tiles, reduzindo-os às especificações que a equipe buscava. Como afirma Mika, o Tile Killer se mostrou uma ferramenta extremamente útil para a equipe de arte, mas não era totalmente autônoma. Também exigia que um artista com experiência tomasse decisões importantes durante o processo, decidindo onde alocar as cores diferentes ou repetir tiles, a fim de produzir os melhores resultados. “Não era apenas uma ótima ferramenta, mas grandes artistas que entendiam como maximizar a compressão”, diz Mika. “Ou onde poderíamos usar menos cores ou mais tiles sólidos e repetidos, ou onde seria benéfico necessitar de menos espaço. Definíamos orçamentos de dados rigorosos para artistas e animadores. Poderíamos dizer que uma sequência animada inteira poderia ter apenas 24k, e eles trabalhariam para reduzir a arte até que quase cruzasse essa linha. Poderíamos fazer áreas de um fundo serem difusas para preto onde a original tinha algum detalhe, isso porque poderíamos ter necessário 25 bytes para que a cena cabesse. Era muito artesanal desse jeito. Estávamos espremendo cada último byte de nossa ROM.”
O resultado foi um jogo que parecia e jogava muito mais próximo do original das arcades do que qualquer um poderia imaginar, com a única grande desvantagem sendo o áudio, que foi drasticamente reduzido para se adequar ao tamanho da ROM. “O áudio foi o mais impactado”, diz Mika. “Precisamos limitar nossos sons a tons gerados simples e alguns poucos samples de áudio que eram parte do que fez a personalidade de Dirk funcionar. Grunhidos, gemidos, etc. Dou bastante crédito a Cathryn Mataga, nossa engenheira principal, também. Ela encontrou maneiras de fazer as coisas serem comprimidas que foram além das técnicas convencionais.”
Dragon’s Lair para Game Boy Color foi finalmente lançado nos EUA em janeiro de 2001 (a versão europeia saiu mais tarde, em agosto daquele mesmo ano) e gerou muitas críticas positivas, com a maioria dos jornalistas expressando surpresa pelo fato de um estúdio ter coragem de tentar replicar a experiência do título em laserdisc no console portátil da Nintendo. Em um artigo do Seattle Times, Steven Kent, por exemplo, escreveu que “Digital Eclipse […] conseguiu o incompreensível”, chamando o jogo de “possivelmente a demonstração tecnológica mais impressionante já criada no Game Boy”. Já Craig Harris, da IGN, afirmou que “a versão do Game Boy Color é impressionante”, acrescentando que “funciona tão bem como um título portátil que não posso deixar de recomendá-lo”.
Para quase todos que tiveram a oportunidade de ver, ficou claro que a Digital Eclipse havia realizado algo realmente impressionante com seu port, mas as vendas, infelizmente, não refletiram essa onda inicial de boas críticas, com alguns na imprensa não ajudando a situação ao confundirem o jogo com uma versão colorizada do Dragon’s Lair: The Legend da Elite Systems. Como Mika recorda, “Estávamos realmente orgulhosos de quanto conseguimos explorar o hardware, [mas] não vendeu bem inicialmente. Acho que as pessoas nem olharam para ele. Lembro que havia outras versões de Dragon’s Lair no Game Boy, mas eram jogos muito diferentes da versão arcade. Eram jogos de plataforma que poderiam ter qualquer personagem ou tema. Um veículo de notícias mencionou brevemente como ‘uma versão colorizada do jogo que você já jogou antes no Game Boy.’ Eles não poderiam estar mais errados!”
Felizmente, com o passar das décadas, a reputação da Digital Eclipse só cresceu, principalmente graças a vídeos de Let’s Play no YouTube e outras produções que introduziram o port a um público mais amplo. Se você ainda não experimentou Dragon’s Lair para o Game Boy Color e é fã do original, definitivamente recomendamos que jogue para vivenciar em primeira mão o incrível trabalho que a Digital Eclipse fez para levar o jogo ao lendário console portátil.