Recentemente, tivemos a chance de entrevistar o compositor Hiroki Kikuta, responsável pela trilha sonora de Secret of Mana e Trials of Mana (Seiken Densetsu 3). Durante a conversa, discutimos suas influências iniciais, seu trabalho nos RPGs lendários e sua abordagem como compositor.
Hiroki Kikuta é um músico japonês cujas composições admiramos há décadas. Se você tem alguma familiaridade com o gênero de RPG, provavelmente já ouviu falar dele. Contudo, vamos apresentar rapidamente alguns destaques de sua carreira para aqueles que ainda não conhecem seu trabalho, na esperança de que isso os incentive a explorar sua música e entender por que ele é tão respeitado e admirado na área.
Kikuta começou sua trajetória na Square no início dos anos 1990, onde suas primeiras atribuições no departamento de áudio incluíram um papel de depuração em Final Fantasy IV e a criação de efeitos sonoros para Romancing SaGa, lançado em 1992. Ele eventualmente compôs a trilha sonora de três títulos da companhia, incluindo os jogos Mana mencionados anteriormente e Soukaigi, antes de deixar a empresa para fundar seu próprio estúdio, a Sacnoth, cerca de sete anos depois.
Na Sacnoth, ele acabou escrevendo, dirigindo e compondo para o RPG de terror Koudelka, lançado para o PS1. No entanto, deixou a empresa logo após seu lançamento em 1999 para se dedicar a outros projetos criativos. Desde então, ele tem continuado a lançar novos trabalhos musicais por meio de seu próprio selo, a Nostrillia, e pela Scarlet Moon Records, além de contribuir para diversos projetos independentes, como Indivisible, de 2019, e Infinity Knights: Xross, que está por vir. Kikuta também participou de alguns novos projetos relacionados à série Mana desde sua saída da Square, incluindo Rise of Mana, onde fez uma participação especial com uma faixa, e os recentes remakes de Secret of Mana e Trials of Mana, além de Visions of Mana.
Nossa conversa concentrou-se principalmente em seu trabalho de 16 bits no Super Nintendo, mas esperamos que isso sirva como um ponto de partida para que mais pessoas conheçam sua obra, tanto dentro quanto fora do universo dos games.
Entrevistador: Para começar, gostaríamos de entender mais sobre como você foi apresentado à música. Pode nos contar sobre alguns dos artistas que você ouvia quando crescia?
Kikuta: A primeira coisa que quero que você imagine é que, quando eu era criança, não existia Internet ou YouTube. Eu tinha apenas maneiras limitadas de vivenciar a música. Principalmente através de transmissões de rádio, e como você sabe, ao ouvir rádio, não se pode escolher livremente o que ouvir. Portanto, eu passava horas em frente ao rádio, ouvindo a música que saía do alto-falante.
Às vezes, era jazz inovador do Bill Evans. Outras vezes, era música country vinda da América. Também havia música folclórica japonesa tradicional e, vez ou outra, o Concerto para Trompete de Georg Philipp Telemann. Isso não importava para mim; o que eu queria era me imergir na música e experimentar a imersão de sons desconhecidos. Crescendo no campo, eu estava faminto por música. Essa fome me permitiu absorver todo tipo de sonoridade, algo bem diferente do que vemos hoje, quando muitos tentam aprender música.
Entrevistador: Você mencionou anteriormente em entrevistas que é um músico autodidata. Qual foi o primeiro equipamento musical que você teve e que o levou a se tornar músico? Além disso, que técnicas foram úteis para desenvolver suas habilidades musicais sem uma educação formal?
Kikuta: A primeira peça de equipamento musical que possuí em casa foi um violão clássico. Eu não aprendi com ninguém, mas praticar e compor à minha maneira ajudou a desenvolver muito meu talento musical. Não existe educação musical formal no mundo do rock ou do folk. Contudo, a paixão por se emocionar com a música e o desejo de tocá-la são importantes. Portanto, a técnica mais valiosa para desenvolver habilidades musicais sem educação formal é, sem dúvida, a paixão.
Entrevistador: No passado, lemos que, antes de entrar no mundo dos games, suas primeiras experiências como compositor foram para programas de TV. Isso é verdade?
Kikuta: É verdade. Na minha juventude, fiz diversos trabalhos, como redação de quadrinhos e design mecânico, e também compus trilhas sonoras para animes.
Entrevistador: Nesse caso, quão familiarizado você estava com o mundo dos videogames quando começou a se candidatar a empregos na indústria? Você tinha algum título favorito de videogame?
Kikuta: Adoro videogames desde a época da faculdade. Naquele tempo, não havia consoles de jogos disponíveis para consumidores, então eu sempre frequentava os fliperamas, jogando com uma moeda de 100 ienes. Meu jogo favorito é The Tower of Druaga (NAMCO). Lembro que fiquei profundamente impressionado com a trilha sonora criada por Junko Ozawa, além do sistema de jogo simples, mas desafiador.
Naquela época, não imaginava que acabaria trabalhando fazendo música para jogos. O destino é algo misterioso.
Entrevistador: Você pode compartilhar um pouco sobre como conseguiu o emprego na Square? Tem lembranças sobre como foi esse processo?
Kikuta: Candidatei-me a um anúncio de recrutamento em uma revista chamada Login. Não sabia nada sobre a indústria de jogos. Primeiro, apliquei para uma vaga na Falcom, mas não fui selecionado. Em seguida, me candidatei a um emprego na Square, que entrou em contato comigo para uma entrevista. Conheci Nobuo Uematsu e Kenji Ito cara a cara durante a entrevista e me lembro de discutir com paixão sobre rock progressivo. Depois disso, tive a sorte de receber a confirmação de que havia sido escolhido e decidi começar a trabalhar lá. No início, fui de terno para trabalhar, mas percebi que ninguém na Square usava isso. Fiquei bastante surpreso.
Entrevistador: Como você conseguiu a oportunidade de compor a música para Secret of Mana? É verdade que seu colega Kenji Ito era quem deveria cuidar da trilha sonora?
Kikuta: Naquela época, a Square tinha três departamentos de desenvolvimento. O desenvolvimento de um jogo levava cerca de dois anos, e era regra que o compositor fosse responsável pela trilha sonora do início ao fim. Naturalmente, Uematsu-san estava no departamento de desenvolvimento #1, Ito-san no #2, e eu estava no #3. Não esperava que ficaria tanto tempo envolvido com Secret of Mana. Acredito que encontros e relações são coincidências misteriosas.
Entrevistador: Quais foram as principais diferenças que você percebeu entre compor para TV e compor para jogos?
Kikuta: A música de fundo para animes ou programas de TV é composta com o objetivo de expressar a emoção e a tensão do drama. Já a música de fundo para videogames é criada para transmitir a cultura, etnia e o mundo do jogo. Um ponto crucial é que a música de jogos é ouvida repetidamente pelos jogadores. Mesmo que a música seja ótima, se for ouvida sem parar, todos acabarão entediados. Portanto, um aspecto essencial na composição para videogames é aprender a criar melodias que não se tornem cansativas.
Entrevistador: Pode descrever como era seu equipamento musical na época em que compôs Secret of Mana? Tinha algum equipamento específico que você usava para criar suas faixas?
Kikuta: Se eu fosse explicar bem, levaria dias ou semanas. Como todos podem imaginar, aproveitar ao máximo a capacidade do SNES e criar música que impressionasse era um grande desafio. Um dos dispositivos de amostragem que usei com frequência era o AKAI S900. A coleta de samples dedicados ao S900 era uma ferramenta que eu utilizava constantemente. As amostras daquela época tinham memória muito limitada, então os técnicos costumavam armazenar sons de bons instrumentos usando apenas uma pequena quantidade de dados.
Entrevistador: Você se lembra qual foi a primeira música que compôs para Secret of Mana?
Kikuta: Acredito que foi The Child of the Fairy Tribe. No entanto, Secret of the Arid Sands foi a primeira a ser incorporada de fato ao SNES.
Entrevistador: Desde seu lançamento inicial, a trilha sonora de Secret of Mana se tornou muito querida pelos jogadores. Quando você percebeu que a trilha tinha sido abraçada pelos fãs de RPGs e não seria esquecida rapidamente?
Kikuta: Só percebi muitos anos depois. Quando o jogo foi lançado, não havia reações do público ou dos fãs. Muitas vezes me pergunto por que passei tanto tempo e energia criando uma versão rearranjada chamada Secret of Mana+ sem nenhuma resposta.
Imagino que o longo período de desenvolvimento de dois anos tenha causado estresse. Acho que essa insatisfação me levou a criar um trabalho de 50 minutos que é completamente livre, gerando melodias com o movimento do coração. Em resumo, quero dizer que música é liberdade. Queria transmitir a maravilha da liberdade, como é essa sensação, e quão importante isso é.
Entrevistador: Ao longo dos anos, houve muitas reinterpretações incríveis de sua obra em Secret of Mana. Este ano, por exemplo, foi lançado EXCALIBUR: A Tribute to Secret of Mana – um álbum em homenagem ao seu trabalho pela Scarlet Moon Productions. Você tem alguma reinterpretação favorita de sua música desse álbum mais recente?
Kikuta: Para ser sincero, eu sinto que cada música e cada arranjo são excelentes. Fico realmente feliz que os jovens do passado agora adquiriram experiência musical e desenvolveram suas habilidades. Não consigo escolher entre tantas obras de alto nível, mas se eu tivesse que destacar uma, seria a interpretação de Into the Thick of It feita pela Mana Brasilis. Adoro a Bossa Nova e as harmonias envolventes. Para mim, é uma aventura cheia de surpresas ver como reconstruíram minha música de uma forma tão surpreendente.
Entrevistador: Após seu trabalho em Secret of Mana, você continuou com o jogo Seiken Densetsu 3 (Trials of Mana). Como sua abordagem para a música desse jogo se diferenciou da primeira, se é que houve diferença? Havia mais ou menos pressão na segunda vez?
Kikuta: A música de Secret of Mana e a de Trials of Mana foram criadas com conceitos totalmente diferentes. A música de Secret of Mana era perfeita para mim. No entanto, sabia que, se fizesse a música de Trials of Mana na mesma direção, nunca conseguiria superá-la. Isso era mais uma realidade do que uma pressão.
Então, ao compor a trilha de Trials of Mana, preparei um conceito completamente diferente. Quase todas as músicas foram produzidas com 6 sons simultâneos. Se você pensar um pouco, perceberá que tinha pouquíssimos sons disponíveis. Se você usa uma nota para o bumbo e a caixa, uma nota para o baixo e uma nota para o hi-hat, sobravam apenas 3 notas. Não consigo expressar quão desafiador é transmitir melodias e harmonias com essas três notas.
Entrevistador: Você ainda mantém uma relação estreita com a Square, colaborando com eles em vários projetos da série Mana até hoje. No entanto, também tem estado bastante ocupado em outros lugares, atuando como compositor convidado em diversos projetos independentes. Um exemplo recente é Infinity Knights: Xross — uma aventura cooperativa para três jogadores que se inspira em jogos como Secret of Mana e Trials of Mana. Como tem sido a experiência de trabalhar neste projeto? Existe alguma filosofia específica que orienta sua abordagem à música do jogo?
Kikuta: A música de jogos não é algo que se estabelece por si só. Ela é planejada e produzida com o objetivo de expressar a atmosfera do jogo de maneira atraente. Portanto, a abordagem para isso é fundamentalmente diferente da forma habitual de compor música.
Na música normal, o intérprete é o protagonista, mas na música de jogos, o jogo é o protagonista e o jogador é o principal. Assim, o que eu preciso fazer com mais cuidado é não me expressar, mas me aproximar do jogo, refletir sobre ele, conhecê-lo, expandir a imaginação do jogo e, acima de tudo, amar o jogo. Criar algo para outra pessoa não é o mesmo que criar algo para si mesmo, e isso traz uma alegria indescritível. Eu gostaria de continuar fazendo música maravilhosa para muitos designers de jogos.
Entrevistador: Para finalizar, você tem algum projeto emocionante em andamento que pode compartilhar? Notamos que você está envolvido em uma adaptação teatral japonesa de Seiken Densetsu 3 (Trials of Mana). É cedo demais para comentar sobre o que será seu envolvimento nesse projeto?
Kikuta: Não importa qual trabalho você tenha, é importante manter os segredos a respeito disso. Acredito que a confiança é um tesouro inestimável.
Entrevistador: Entendi! Muito obrigado, Kikuta-san, por responder às nossas perguntas! Estamos ansiosos para saber mais sobre seus projetos futuros quando chegar a hora certa.